por Alexandra Vieira de Almeida – Escritora e Doutora em Literatura Comparada (UERJ)
O
novo livro de poemas de Fernando Andrade, A
perpetuação da espécie (Penalux, 2018), nos vem falar de uma ultrapassagem
(dos gêneros, do tempo, da circunscrição à nossa própria espécie). Avançar
sobre as margens que nos toldam enquanto humanos parece ser a máxima de sua
obra excepcional. Digam-se, as margens com que fomos fabricados pelo senso
comum, pela esqualidez de um sistema fechado em binarismo e algarismos
perfeitos. Fernando Andrade utiliza uma linguagem experimental infensa aos
ditames de uma lógica ocidental. Sua lógica é outra, não caótica, mas criativa
e inaugural a espantar os fantasmas de uma gramática perfeita e engessada.
Este
livro fabrica auroras e ocasos, luzes entremescladas de afetos e lembranças que
se movem em liberdade. A liberdade de criação pulsa neste poeta magistral que
utiliza a língua a favor de uma revolução estilística. O autor carrega uma
marca toda própria. Não imita padrões e subverte a língua num propósito que
alia som e imagem. As fortes aliterações produzem imagens dilacerantes a cortar
a carne do mundo. Expõe com fluidez nossa dose de humanidade além dela própria
a perpetuar espécies além do tempo, das memórias e dos gêneros, toda uma
indumentária que é criada por uma sociedade falida em receitar doses narcóticas
de empobrecimento em nossas identidades. A identidade aqui não é regida pelos
padrões do bom comportamento. Temos identidades várias que brincam com o tempo
mortal dos sentidos.
“Sejamos
breves, homens//Mas sejamos intensos, inteiros”, diz um dos poemas do livro.
Apesar do tempo que nos corrói e nos mata, a ultrapassagem dele é feita pela
intensidade de nossos anseios, de nossos desejos que não nos sucumbem, mas nos
faz nos elevar através dos instantes mais passageiros. Pois é a partir do
desejo que nós nos perpetuamos, que nos criamos ao longo dos tempos. As páginas
da escrita se enchem de versos sonoros a amortizarem nosso vazio e descompasso.
Quanta sonoridade em seus textos, que trazem os voos plenos de vida e beleza.
Sua obra fala de vastidões apesar do tom cotidiano de seus versos. É um sublime
desacostumado com as horas do mundo. Um sublime que aponta sua lança para o
alto, para além das fronteiras terrestres e físicas.
Com
fina ironia, riqueza de linguagem e estilo próprio, o autor por ora aqui
apresentado nos leva a outros rumos, diferentes da malha com a qual nos
acostumamos no real. Sua poesia frutifica, arrebenta os alicerces no qual
fabricamos nossos mundos em miniatura. Seu mundo é vasto, do tamanho de todo o
universo. Deleita-se com os sonhos acalentadores dos desejos. O amor para além
da banalidade do real nos impulsiona para adiante e nos faz desbravadores de
projetos inimagináveis.
A imaginação pulsante de Fernando Andrade nos
leva para o terreno dos mitos também, que não se prendem ao conteúdo
desgastante do nosso cosmos circundante. Portanto, nessa obra inventiva de
Fernando Andrade, temos um autor que ultrapassa as fronteiras do que
acreditamos ser mais sólido no nosso mundo, trazendo a vida aberta aos vários
sentidos do real. Sua voz polissêmica e plural é o gatilho para novos sentidos
e deslumbramentos. Sua poesia nos conduz a percepções várias, fragmentando a
realidade em tons maiores. Seu livro vai deixar marcas perceptíveis em várias
gerações, perpetuando linguagens ricas e diversas, alterando sentidos e
trazendo a novidade e o frescor de uma poética verdadeira.
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