O SUSSURRO NOS VÃOS DOS DIAS
impressões sobre Outros Barulhos, de Reynaldo Bessa
Eu não sabia o que ia acontecer até ler este livro
posso dizer que ele não saía da minha bolsa
e era um atrevimento de espionar o que de tão meu poderia caber
ao seu lado – tudo bem, com meu consentimento –
mas eu estava totalmente
ingênua nisso
em relação ao sopro que ele exerceria sobre meus dias
silenciosos.
É isso...o barulho de Outros Barulhos vem de seus olhos
refletidos nos de sua mãe
e das palavras, sempre elas que
“se chocam no ar, outras rolam pelo chão” (30)
O ritmo do poeta-músico é forte como a gravidade
da nota acertada no meio do peito-livro
– que “se enche de universos” (86) –
em que me debruço
ao mesmo tempo em que desliza tênue sobre as ideias folhadas
assim dispara Reynaldo: “Escrevo/ porque sou viciado/ no movimento/
das incertezas" (83)
e foi então que ele (o poeta) disse-me com a palavra
mais deslavada, assim, numa audácia de trincar os olhos
os seguintes versos requintados:
"construo bombas para um dia
explodir os
seus silêncios" (94)
ok! explodir meus silêncios faz parte dessa arquitetura
besseana de deflagrar meu assombro diante de sua obra
haja vista que “isso não é um poema é uma vida, a dele./
há sangue nas entrelinhas.” (grifo meu, 114)
a poesia de Bessa é arrebatadora exatamente por isso,
porque é de uma sinceridade comovente, à espreita da vidinha,
aquela que está ao alcance de qualquer um que a olhe com os canais
do estranhamento ligados pela intimidade com o arrepio do existir
falar de Outros Barulhos não é difícil pelo seu imediato
reconhecimento no contexto literário,
nem porque Reynaldo Bessa é um músico e compositor talentoso,
com especial habilidade para tratar de palavras e sons
mas, porque agora ele lida com outros barulhos, os de dentro
dentro desse silêncio atordoante que é a poesia,
porque ele trabalha com o silêncio que dói
que entala, que nos engasga...como diz:
“e esse mundo preso na garganta que não desce nunca?” (27)
um mutismo que pode nos destronar,
mas também pode ser construtor, no seu caso, de mundos outros
o poeta escolhe versos curtos, flashes cotidianos
embaçados pelos tempos que se embaralham dentro
da vida: “apenas um dia/ que despencou do/ calendário” (37)
e essa vida é recheada de reveses, desapontamentos,
desencontros, e demasiada sensualidade.
tão adaptado ao trabalho manual de pegar as palavras,
tropeça com a pele de palavras que escrevem o corpo desejado:
“seu corpo
é o único argumento
que não sei
refutar” (104)
ainda, descreve um coração insubordinado, relutando
com as profundezas de um ser compartilhado consigo
próprio. Reynaldo oferece-se partido ao presente,
“meu coração é um filho rebelde
ouve música às alturas, usa piercing,
fala estranho e está cagando pra mim.”,
em que peleja entre o racional e o emotivo,
novamente conjuga tempos e transita
entre os papéis hierárquicos existentes
na instituição familiar, tão aclamada neste livro
de ascendências
no entanto, há momentos de declinações flagrantes
que perturbam nossas percepções como “uma notícia estupidamente vermelha,”
deflorando a banalidade dos dias: “é dura feito pedra e/ voando veloz estilhaça a/
janela dos meus sonhos (53)
na obra que caminha em busca de alcançar o espectro da
paternidade, insígnia desfraldada pela voz tão proeminente masculina
dos versos de Outros Barulhos, o poeta conta que se lembra bem
apenas de um homem:
“costeletas aparadas e
cheirando a creme de barbear
caminhava com o andar que agora é meu
trazia os olhos longe, um sorriso torto e
estradas entre os dentes...” (88)
morando entre adeus adiados, Reynaldo nunca se despedirá
da fragilidade pueril de seus tempos miúdos
porque carrega a delicadeza
no colo dos versos: “meus pés balançavam as estrelas,”
e entende a brutalidade da vida sublimada na poética
das sutilezas: “como pode alguém com fome/
ter medo de relâmpagos?” (18)
Bessa fabula exatamente relâmpagos neste livro.
há momentos de versos cintilantes que
permanecem latejando por dentro
dos entendimentos
ou resplandecendo onde não se entenderá nunca nada
pois, se o poeta diz: “seus olhos/ são meu livro de cabeceira” (107),
eu digo que seu livro está na minha cabeceira,
de olhos desabotoados
comendo minhas quietudes,
vasculhando o que há na minha bolsa
e não parará de fazer uns, certos, vários, todos
os mesmos ou outros barulhos.
referência:
BESSA, Reynaldo. Outros Barulhos. Belo Horizonte: Anome Lvros, 2008
sobre o autor:
Reynaldo Bessa é cantor, compositor e escritor. Cinco discos lançados. Lançou seu primeiro livro de poemas "Outros Barulhos" em 2008 (Prêmio Jabuti 2009) que concorreu ao Prêmio Portugal Telecom de Literatura 2009.
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