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Peripathus Livraria
O hábito de ler.
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que texto maravilhoso!!!
originalmente postado em Congresso em Foco http://congressoemfoco.uol.com.br/coluna.asp?cod_canal=14&cod_publicacao=31122
lindo, Mirisolla!!!!
14/12/2009 - 06h20
Seja bem-vindo, Mario Bortolotto
Já faz dez anos. Reagi com preguiça e desconfiança quando o Reinaldão Moraes me convidou para ir ao “teatro”: minha experiência dionisíaca se resumia às coxas da Matilde Mastrangi. Uma bosta de peça chamada “Uma cama entre nós”, cujo autor - se não me falha a memória - é Walcyr Carrasco. 1983 ou 1984.
Depois de todo esse tempo, Moraes me convenceu a ir ao teatro. Disse que a mulher do dramaturgo (que também era diretor e que também atuava na peça) era linda, e sabia trechos inteiros do meu livro de estréia,Fátima Fez Os Pés Para Mostrar na Choperia. Foi difícil resistir aos apelos de todas as minhas vaidades de uma só vez.
Eu fui, e agradeço ao Reinaldo todo dia, depois de dez anos, pelo que vi. Porque não se tratava apenas de teatro. Mas da história de um cara chamado Mario Bortolotto. Escrevi um livro confuso sobre isso, e reconheço que a mistura de ficção com realidade passou do ponto: devia ter aprendido com o Mario que essas coisas são minúsculas diante da amizade e da integridade das pessoas. De modo que não quero, aqui e agora, entrar no mérito dos vários talentos dele e da qualidade das peças que atua, dirige e escreve.
Não quero fazer nenhuma comparação e nenhuma conjectura. Nenhuma aproximação seria o bastante para dizer o que aconteceu semana passada. Uma tragédia seguida de um milagre. Por isso, acho que não é hora de “cobrar responsabilidades” – nem das autoridades competentes e nem das incompetentes. Todos sabem das transformações ocorridas na Pça. Roosevelt nos últimos anos – para o bem e para o mal. A conversa é outra.
Num momento desses, em que meu amigo está passando maus bocados no hospital, a Praça é o corpo dele. E o entorno (inclua-se o dever da resistência e a especulação sobre o que virá daqui para frente) é pura redundância.
Não quero fazer ficção nem tampouco me interessa a realidade imediata. Só quero dizer que o Bortolotto sobreviveu aos quatro tiros pelo mesmo motivo que a Bárbara Heliodora jamais vai entender o significado de sua obra. Ele sobreviveu porque é o Mario Bortolotto. Pelo mesmo motivo que me fez assistir a todas as peças dele, no mínimo umas vinte vezes cada uma, quero dizer que ele sobreviveu aos tiros porque é assim que acontece nos gibis que ele coleciona, ele sobreviveu para rir das piadas dos amigos, pelas noites de blues (das quais não participo), pelos tragos e pela sinuca e porque ele vem de longe e isso já faz um bom tempo, ele sobreviveu porque o Muttley e o Frankenstein de suas camisetas são à prova de bala, e porque ele reveza esses dois com Milles Davis, ele sobreviveu porque veio lá do Jardim do Sol e porque já havia sobrevivido à violência e ao amor do pai, ele sobreviveu aos quatro tiros porque nunca deixou de reagir à própria rotina e isso inclui (quem acompanha o blog dele sabe disso) levar quatro tiros no peito toda madrugada e fazer uma oração antes ou depois de ir dormir e acordar dilacerado, tanto faz sangrar na Santa Casa de Misericórdia ou na quitinete da rua Avanhandava; ele sobreviveu pelo amor de suas mulheres e pelo amor de sua filha; e porque a Fernanda D’Umbra foi mãe, mulher e filha e teve sangue frio e não esperou o Resgate chegar. Mais vinte minutos – segundo os médicos – e ele teria morrido.
Acrescente-se a reposição de mais 4 litros de sangue tipo A. E se você puder, leitor, doe sangue.
Um milagre todo ele é feito de coincidências e, às vezes, de um chiqueirinho de uma viatura policial que chega na hora certa, e é simples de entender: ele devia estar ouvindo La Carne no seu MP3 quando virou pro filhodaputa e disse “atira” e depois disse outra vez “atira, filhodaputa” e o filhodaputa descarregou a pistola, e o dramaturgo sobreviveu porque a luz que incide na poeira é exata e os seus diálogos são certeiros (quem viu as peças dele sabe o que estou falando); ele sobreviveu porque nunca precisou mais do que um sofá velho, três amigos e meia dúzia de latinhas de cerveja quente para contar suas histórias “vai lá garoto, vai fazer o que tem de ser feito” e também porque é um cavalheiro e porque é impossível um sujeito ser um cavalheiro se não for um touro também, sim, um touro que, depois de cinco dias já corcoveava na UTI, queria saber dos amigos, e escrevia seu primeiro bilhete depois do milagre “não chora filha, senão eu também vou chorar”; porque um milagre fica bem melhor com um pouco de poesia e outro tanto de prosa, por isso que ele agüentou o tranco: porque agora finalmente vai escrever o romance que eu e o Bactéria lhe cobramos faz um bom tempo, ele sobreviveu para poder voltar ao Hotel Marina no Rio de Janeiro, não aquele que acende, mas o Hotel Marina quando apaga, porque entendeu que é o mar que olha pra gente e não o contrário, ele sobreviveu porque domina a técnica de seguir na contra-mão e porque, quando levava quatro tiros no peito, ele, ao contrário do que muito filho da puta especulou, não estava brincando de representar, aliás, quando o cara tem uma 45mm apontada diuturnamente em sua direção, ele não tem alternativa diferente de dizer “atira, filhadaputa”, mas ele sobreviveu – também - porque intuitivamente sabia que a associação falsa que o jornalista almofadinha iria fazer sobre o assalto ao teatro e a “violência de suas peças” era tão mortífera quanto a 45mm que o atingiu, e ele sobreviveu para mais uma vez desmentir os canalhas, porque ele tinha de repetir que eles eram canalhas e que,embora estivesse pouco se cagando para a mentira deles (inclusive quando o ignoraram durante todos esses anos), ele não estava ali, no bar dos Parlapatões, fazendo teatrinho interativo para a distração de ninguém, ele sobreviveu porque teve a manha de assimilar golpes desleais até o último disparo e o nome disso é generosidade - ele sobreviveu porque seu anjo da guarda é casca grossa, e agora ele quer saber aonde é que foram parar seus coturnos, ele sobreviveu porque, entre muitas e iluminadas parcerias, fez dupla com o Carcarah, esse outro maluco que sabe o que é dar uma voadora na morte, Mario Bortolotto sobreviveu porque a mesma delicadeza que tira a vida de uns traz a vida de volta para outros.
E dentro de pouco tempo – como ele mesmo escreveu no último post antes da cagada - ele voltará ao bar, o mesmo Bortolotto de sempre, o Brucutu fundamental. Agora, com uma bala alojada no coração. Os mesmos cabelos grisalhos espetados, os bons e velhos coturnos, ele vai entrar no bar daquele jeitão dele, entre o desconjuntado e o lacônico, alguém vai cumprimentá-lo e ele responderá com um sorriso cansado “e aí, brother?” e então os seus amigos que ainda não se acostumaram com milagres não vão acreditar quando ele encostar no balcão e pedir mais uma ficha para pôr na porra da jukebox. Em seguida, a Marcinha vai trazer uma garrafa de água mineral. Para limpar o sangue que coagulou na serpentina. Para começar a noite. Porque ele está vivo. Porque ele sempre volta. Seja bem vindo, Mario Bortolotto.
* Considerado uma das grandes revelações da literatura brasileira dos anos 1990, formou-se em Direito, mas jamais exerceu a profissão. É conhecido pelo estilo inovador e pela ousadia, e em muitos casos virulência, com que se insurge contra ostatus quo e as panelinhas do mundo literário. É autor de Proibidão (Editora Demônio Negro), O herói devolvido, Bangalô e O azul do filho morto (os três pela Editora 34) e Joana a contragosto (Record), entre outros.
Quando: Sábado, dia 14 de novembro – 20h30 (cheguem no horário, o oitavo ato começa impreterivelmente às 20h45)
Onde: Na Vila Cultural Cemitério de Automóveis
Rua João Pessoa, 103 (entre a Quintino e J.K)
Fone: 3344-5998
O Sarau: prosa, poesia e outras delícias já é uma tradição no Cemitério. Nos esmeramos para produzir esse evento e ele tem trazidos bons frutos para todos. Pra quem não conhece é um encontro mensal onde preparamos um tema. O tema deste mês Comedy Tragedy com a presença de Márcio Américo . Depois deste ato o microfone é aberto ao público. O público também poderá contar sua Comedy Tragedy. Ainda haverá seleção de músicas de Herman Schmitz. A entrada é um prato de salgado ou doce. Tragam um prato pequeno
Patrocínio da Vila:
PROMIC
Pessoal, tem festa dia 7 agora!
Rodrigo Novaes de Almeida lança pela Editora Multifoco, no Rio de Janeiro, o livro "Rapsódias - primeiras histórias breves".
Quem estiver por perto e puder, valerá à pena! ;)
O blogue do autor é - http://rodrigonovaesdealmeida.blogspot.com/
“Caiu-me o olhar para a límpida fonte;
Que logo desviei, colhendo a ver a
Imagem da vergonha em minha fronte.”
(Dante in Purgatório, canto XXX)
o metal na veia orquestra os órgãos
e desenhos no monturo se acumulam
coração pulmão fígado e voz entram
espontâneos na faca que expia a artéria
e bate no peito um esquife dobrando
a esquina acompanhado pela multidão
com lágrimas de pedra e ranger de
madeiras nas pernas de mortos vindouros
um copo de ácido na saliva
não corrói o aço da faca na garganta
e nem impede o corte vertical
da lâmina que divide a língua
e faz surgir do homem um copo
de vinho dividido em leucócitos e
eritrócitos que escorrem nos dias e nas noites
do outro lado da cidade
encontro outros órgãos longe
da orquestração cotidiana
porém próximos dos risos dos revólveres
e na absoluta solidão
grita a filantropia de um coração andarilho
no desejo de construir uma orquestra sinfônica
em que as facas não sangrem o violino
e a cadeira de rodas posta à frente do piano
não emane a mesma e única música
que ecoa na calmaria dos lagos
onde dormem afogados
meninos com suas canções de ninar
jovens guitarras elétricas homens
mulheres anjos demônios mísseis
moedas cédulas prédios carros
placas de advertência e a desconexão
completa dos dedos sujos de pólvora
no aborto dos órgãos só varia
a estupidez humana em aperfeiçoar
os acordes da vida
quando se está condenado a
tocar sempre a mesma nota
(Marco Vasques in Elegias Urbanas, Bem-te-vi, RJ, 2005)
Marco Vasques é poeta e crítico de poesia. Bacharel e licenciado em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Catarina. Faz mestrado em Filosofia da Linguagem. Autor de Elegias Urbanas (Poemas, 2005, Bem-te-vi, Rio de Janeiro), Diálogos com a literatura brasileira – volume I (entrevistas, 2004, EdUFSC/Movimento, SC/RS), Diálogos com a literatura brasileira – volume II (entrevistas, 2007, EdUFSC/Movimento, SC/RS) e Harmonias do Inferno (contos, 2005, edição do autor). Tem no prelo Flauta sem Boca (poemas) e trabalha no Diálogos com a literatura brasileira - volume III. Nasceu em Estância Velha, 1975, vive em Florianópolis, mas é de Imbituba, onde passou a infância.
Acaba de publicar (01/10/09) a antologia poética Poesia para gostar de Poesia, com seleção e textos dele e e de Marcos Vinícus Scheffel. A opção por lançar numa escola tem a ver com a natureza do projeto, pois se trata de uma antologia de poetas de Joinville. O livro vai ser distribuído gratuitamente às escolas através de parceria feita com a Secretaria de Educação da cidade. O poeta e crítico de poesia Marco Vasques vai falar sobre a produção poética da joinvillense para alunos e professores com o objetivo de apresentar os poetas da cidade para a cidade. São 15 poetas ao todos: Fernando José Karl, Ramone Abreu Amado, Rubens da Cunha, Clotilde Zingali, Alcides Buss, Marcos Alqueire, Caco de Oliveira, Cristiano Nagel, Dúnia de Freitas, Carlos Alberto Correa, Patrícia Hoffmann, Rita de Cássia Alves e Valmir Capim, Marinaldo da Silva e Silva e Paulo César Ruiz.
Este livro só foi possível graças ao SIMDEC - Sistema Municipal de Desenvolvimento à Cultura de Joinville e Fundação Cultural de Joinville. Toda a edição será distribuida gratuitamente.
(Ao som de EQUINOX, de John Coltrane...)
Dreco Ramos