14/04/2019

O sul de todas as almas, resenha de "Um Bourbon para Faulkner", de Marco Fabiani

O sul de todas as almas

Beatriz Bajo

Havia algum tempo que eu não lia um romance que me abraçava. Estava curiosa por descobrir as páginas de “Um Bourbon para Faulkner”, do amigo querido Marco Antonio Fabiani, também radicado em Londrina.



O título do livro, a princípio, distante daqui, como foi se chegando perto de mim...
Usando como mote para a história a passagem do escritor Faulkner no Brasil, mais precisamente um Congresso de Escritores em São Paulo, do qual o ganhador do Nobel de Literatura de 1949 era o convidado especial, Fabiani costura, entre muitas outras instabilidades, o ambiente político que culmina com o suicídio de Getúlio Vargas em 1954.
O encontro de o garçom do Hotel Esplanada, João Clark, com a personalidade norte-americana é um grande evento para as vidas que se leem por esta obra. As solidões de descendentes de imigrantes, arrancados pela raiz e lançados ao mundo, aproxima os dois homens que carregam em seus peitos fragmentos de derrota, cacos de uma terra em ruínas.
Aparentemente, tão distantes, garçom e escritor são “sementes da mesma espécie brotando em terras diferentes” e descobrem-se amigos intensos. Faulkner exercitando a audição para suas histórias; Clark, na medida em que contava de si, forjava sua própria existência. A sua voz, nunca relevante, tornou-se, assim, substância para o escritor e ecoou na alma do garçom, que passa a tornar-se senhor do seu destino, lentamente.
Os dois são descendentes sulistas da Guerra da Secessão norte-americana e isso acaba por tatuar nos dois uma cumplicidade rara em que, ao longo do livro vai se equilibrando. O escritor exercita a humildade e se desnuda e o garçom se avoluma até percebermos a amizade genuína. No entanto, durante a leitura, há muitas dores: “a violência nasce do medo da própria vida” e não posso negar que tudo isso não tenha me afetado. Eu, aqui no sul do Brasil, filha de imigrante, aperfeiçoando por toda a vida as solidões e os estilhaços do não-pertencimento, acabei por encontrar na literatura o caminho para a comunhão.
Faulkner diz lindamente que esses homens isolados que “expandiram os limites da alma da América...É para eles que sempre olho e penso quando escrevo.” Então, Fabiani escreveu especialmente para mim...foi incrível lê-lo.
Sobretudo, foi surpreendente conhecer Jonas, o pedreiro nordestino que dividia o quarto com Clark, e notar o brasileiro ensinando a seu companheiro a coragem para lutar: “Vou conseguir sim (trazer meu irmão da Bahia), ou não me chamo Jonas, nome que honra aquele que sobreviveu na barriga de peixe. Um homem como eu, tem que aprender ter couro duro, porque não sou dos que vieram para ganhar. Sou dos que vêm com a derrota marcada na testa desde o dia que vê a luz. Se quiser virar o jogo tem que ser muito forte.”
Mais do que suas profissões que, aparentemente, distinguem as pessoas (personagens), esse livro acerta quando traz a confluência da humanidade dos homens, os sofrimentos se igualam, aproximam e, se compreendem numa corrente lúcida de fraternidade.
Em tempos de literatura para estranhar...para chocar...este me conforta, reconhecemo-nos como leitora e livro em um caloroso abraço. E por ser facilmente digerível, não perde em maestria...aquela simplicidade que só um talentoso escritor alcança.


FABIANI, Marco. Um Bourbon para Faulkner. Londrina: Kan, 2018.

Marco Fabiani é médico cardiologista em Londrina, autor dos volumes de contos Trilhas do Fogo (2004), Contos de Pau e Pedra (2005) e Histórias de um Norte tão velho (2009). Também é autor do romance A Memória é um Pássaro sem Luz (2013), todos publicados pela Atrito Arte. É membro da Academia Londrinense de Letras, Ciências e Artes.

Nenhum comentário:

Postar um comentário